Pedra de Metal

sexta-feira, 31 de dezembro de 2010

PEDRAGULHO - Dr. Salazar "Lápis Azul"


Os Dr. Salazar lançam o seu segundo álbum “Lápis Azul” após “Antes&Depois” de 2006.

Esta banda pratica o que se pode chamar de rock/metal industrial português. Nota-se que as letras são tão importantes como a música e aquelas abrangem temáticas, na sua maior parte, sobre os fenómenos repressivos e de limitação das liberdades que decorriam durante o chamado “Estado Novo”. Pode-se dizer, num certo sentido, que os Dr. Salazar prestam um serviço público já que, em tempos de crise como os que se vivem, existe uma espécie de saudosismo relativamente ao “tempo de Salazar” e fenómenos sociais e culturais do antigo regime que se mantêm, principalmente nas gerações mais velhas. Os Dr. Salazar lembram-nos os fenómenos e as consequências de Portugal ter vivido sob um céu de betão durante 48 anos. Para além disso, é preciso ter carisma para lançar álbuns com letras totalmente em português num país onde tudo o que é estrangeiro é considerado per si superior ao nacional (contra mim falo, até certo ponto).

Posso adiantar que “Lápis Azul” é um grande álbum e esta banda uma referência obrigatória para quem gosta de Mão Morta e de Metal. A referência aos lendários Mão Morta é obrigatória pois o vocalista segue um estilo de vocalização muito semelhante ao de Adolfo Luxúria Canibal. Um estilo falado/cantado por vezes como se estivesse a recitar um poema tentando aproveitar o potencial poético da língua portuguesa. A nível de composição também existem algumas semelhanças. No entanto, os Dr. Salazar utilizam um registo mais agressivo e pesado notando-se influências industriais, particularmente Nine Inch Nails, e resquícios de Death Metal técnico.

“A Casa da Vergonha” inicia o álbum com o seu riff cativante que transmite a sensação do peso da inevitabilidade (que afinal poderia ser evitada). A música fala do ambiente que se vivia num hospital militar no tempo da guerra colonial. Existe dinamismo nesta música que é uma característica que se nota durante todo o álbum pois partes mais agressivas são intercaladas com registos limpos e mais lentos o que torna tudo mais interessante e menos previsível do ponto de vista do ouvinte.

“Aqui D`Hell Rei” tem um dos riffs mais melódicos e orelhudos do álbum. Aparentemente, a música debruça-se sobre a impossibilidade de Portugal ser independente economicamente já que dependemos d`”a bitola americana dólar por barril” fazendo também referência à inércia portuguesa.

“Lápis Azul” começa com uma linha de guitarra limpa que faz lembrar certas composições na linha de uns Nine Inch Nails. Torna-se mais agressiva posteriormente aparecendo, a espaços, a técnica de “slap” no baixo, a ornamentar a música. Em termos líricos, a censura é o tema da música.

“Do ponto mais alto” começa com sons electrónicos e é a música mais enigmática já que não é nada óbvia em termos líricos.

“Erupções” começa de forma abertamente agressiva falando sobre a quantidade de informação que nos rodeia e que nos é servida pelos mass media.

O tema “Expressão Revolução” é um hino anti-conformista exponenciado pelo verso “Isto podia ser bem melhor/ Se não fossemos tapadinhos/ À espera de um milagre/ De nosso senhor! De nosso senhor”. Relevante é o uso do trémolo na guitarra em segundo plano, ao jeito do que os Slayer muitas vezes fazem nos seus solos, que empresta ainda mais agressividade à música.

“Casos” é uma música que fala sobre casos judiciais e a ineficácia da Justiça Portuguesa havendo uma referência ao caso Camarate. A linha de guitarra que domina a música é hipnotizante e melódica ganhando mais agressividade no refrão.

“E sempre foi assim” começa com uma agradável surpresa que é o seu riff inicial de contornos de death metal técnico que se mantém durante a música à excepção do refrão. A temática é o célebre fenómeno de que “é preciso que alguma coisa mude para que tudo fique na mesma” ou seja, na aparência as coisas mudam, na realidade não.

“Todos querem falar” começa com um riff típico de thrash metal e debruça-se sobre a sociedade de consumo de coscuvilhices e outras informações irrelevantes ilustrada pelo delicioso verso “A minha avó não pode comer/Ovos cozidos mas vê na televisão/O nosso pindérico jet-set”.

A última música “Anormalia” é a música mais atmosférica do álbum e debruça-se sobre o destino da civilização.

Os Dr Salazar são a única banda portuguesa, no campo da música mais pesada, a cantarem em português, e a ter sensibilidade poética para isso. “Lápis Azul” é um grande álbum que só não é uma obra-prima pois penso que deveria existir mais dinamismo a nível vocal. Mas isso é apenas um pormenor neste grande álbum. “Lápis Azul” foi editado pelos próprios Dr. Salazar em parceria com os Thape Studios e a sua distribuição está a cargo da Compact records.

Se os Dr. Salazar continuarem nesta boa senda, poderão tornar-se uma banda lendária ao nível dos Mão Morta.


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