O Pedra de Metal teve a oportunidade de falar com aquela que é a maior banda nacional de Metal, os Moonspell. Foi uma entrevista aberta, onde Fernando Ribeiro nos mostra, muito claramente, o que a banda pretende com o lançamento de Alpha Noir/Omega White, assim como para o seu futuro.
Pedra de Metal - Quatro anos se passaram desde último lançamento. Como surgiu Alpha Noir/Omega White? Porquê a necessidade de criar um álbum duplo?
Fernando Ribeiro - Quando começamos a trabalhar nestes temas sabíamos apenas que gostaríamos de o fazer de um modo diferente em que o tempo e a escrita de mais canções seria um factor determinante. Penso que essa escolha viria, inconscientemente, influenciar o caminho escolhido. Quando terminámos a primeira demo tínhamos composto os temas Lickanthrope, Love is Blasphemy e também Whiteomega. Vimos desde logo a clivagem entre temas. Os dois primeiros eram bastante crus e agressivos, com um teor guerreiro e incisivo. O outro era um tema muito na linha da Scorpion flower, mais delicado, atmosférico com um refrão interessante. A primeira ideia veio na forma de um dilema: como fazer, outra vez, um disco reunindo atmosferas bastante diferentes? Mas a pergunta e o desejo na nossa cabeça era outro: porque é que temos de ir pelo mesmo caminho e cruzar sentimentos, quando o que queríamos mesmo era um disco mais homogéneo? O Pedro (Paixão) deu voz a esse pensamento e avançámos para um disco duplo, que expandisse as facetas dos Moonspell em dois registos diferentes. E esse principio criativo tornou-se quase como num conceito, quando começaram a chegar os títulos, as letras, as ideias, outras canções. Resumindo, não havia necessidade disto ou daquilo, verdadeiramente. Muitas das criticas negativas a este disco foram no sentido de que essas pessoas preferiram os Moonspell a misturar ambientes num só disco. É legitimo mas também expectável e prova que, apesar disso e de muitas outras coisas, os Moonspell decidem sempre pela sua cabeça e pelo principio artístico que a ocupa, ao ponto da obsessão. Nós pensámos que era uma boa ideia, e perseguimos a sua execução com entusiasmo. O resto já não é do nosso controlo apesar de fazermos sempre um esforço para passar esse entusiasmo para o público.
PdM- Será este um regresso aos primórdios da banda, porque temos novamente a personagem do lobo em destaque no vídeo "Licknthrope"? Ou simplesmente transporta-nos para um mundo de fantasia?
F. R. - Não se trata de nenhum regresso. Bem sei que as pessoas estão sempre nessa expectativa mas os Moonspell, apesar do orgulho no que o nosso passado se tornou, estão sempre focados no que podemos trazer desse passado para a actualidade e não em repeti-lo. Não temos poder para repetir uma época dessas mesmo que repetíssemos nota a nota ou palavra a palavra esse disco. A figura e toda a mitologia envolvente do Lobo sempre nos atraíram por diversas razões: a união da alcateia, a perseverança de um estilo de vida, a solidão do grupo perante os outros animais. Os Moonspell sempre se identificaram com isso. Quando eu era criança, quase jovem, o meu pai que é de Trás-os-Montes contava-me histórias de homens-lobo, ou outros metamorfos, entre lendas de bruxas, assombrações, coisas da juventude dele. A minha versão do que ouvi é esta, passados trinta anos. É um mundo de lenda e fantasia mas no qual a humanidade resiste. É um estilo de vida e uma assunção que dispensa a salvação. Uma moral contra moralistas. Uma homenagem ao que gostamos das lendas e do cinema.
PdM- Há uns anos, no antigo Hard Club, (onde através dum passatempo do jornal Blitz ganhei um pass em que pude falar com a banda nos bastidores) tive oportunidade de perguntar ao Fernando se a nível nacional, no meio musical português, a banda tinha já tinha o devido reconhecimento. Na altura a resposta foi negativa e hoje a resposta já será positiva no seio musical nacional?
F.R. - Trabalhámos muito em Portugal e conseguimos com que os Moonspell sejam a banda que toda a gente pensa quando se fala de Heavy Metal em Portugal. Crescemos em mediatismo, com as suas coisas boas e más, e não minto ao dizer que o Metal Português tem em nós, pelo menos, um representante que optou pela diferença e que conseguiu coisas que mais ninguém no nosso género tinha conseguido. Por sorte, posicionamento, trabalho ou até talento, quem sabe, os factos não me desmentem. Existe Metal em Portugal antes dos Moonspell e vai continuar a existir quando nós sairmos do activo. Nunca questionei isso e nunca questionei a qualidade das bandas em Portugal mas também nunca me rendi aos vícios que penso que o Metal em Portugal ainda tem e que seria bem melhor se os ultrapassasse, tal como nós o fizemos. Conquistámos o nosso espaço não só no Metal como no seio da música nacional. Isso vale o que vale e eu próprio muitas vezes me questiono do valor deste nosso crescimento, mas não me interrogo sobre ele. Foi uma dura luta que espero que traga mais benefícios do que malefícios ao estilo que todos nós, à sua maneira, abraçámos no nosso país, contra ventos e marés.
PdM - Um momento polemico existiu quando o Fernando disse que o "underground português devia receber os Moonspell de braços abertos". Porque terá esta frase sido mal interpretada por algumas pessoas?
F.R. - Eu poderia dizer que fui mal interpretado, mas não vou por aí. Salvaguardo, porém, de que com essa frase não quis (nem podia) desmoralizar ou ignorar o que tem sido feito, desde sempre, no Metal Nacional. Também não sou ingénuo ao ponto de pensar que não há muita “politica” e intriga na cena, tal como em alguns outros países, e que praticamente todas as bandas de qualidade, à sua escala e dimensão, sofreram isso na pele. Foram essas coisas que nos impediram de abrir para os Paradise Lost em Cascais mas nós fizemos desse contratempo, uma força, um objectivo de provar a quem dominava a cena na altura que tinham ali um competidor sério. Ao contrario do que se tem dito, eu nem uso este exemplo de forma constante. E se usasse? Qual era o problema? Eu acho que se vive uma espécie de mentira na cena Portuguesa. Há pouca auto-critica, existe um companheirismo que muitas vezes é apenas para fora e as pessoas são mais rápidas a descobrir a banda que vai “partir tudo” do que optar pela honestidade e construtivamente crescermos em conjunto. Todavia essa fantasia de que falo é rapidamente desfeita pela falta de resultados, especialmente em termos de bandas. Temos, por exemplo, dois festivais em Portugal, que os Moonspell nunca tocaram e que se calhar (por razões que aceito em absoluto) nunca irão tocar. O Vagos e em especial o SWR, tem mostrado que, contra muitas expectativas, estamos no bom caminho para fazer festivais de Metal que gozam de excelente reputação cá e lá fora, em termos públicos e de bandas. Tem havido uma continuidade interessante em concertos de clubes mas aí todos lutamos contra factores externos (impostos, falta de salas, desinteresse ou falta de liquidez do público, etc.). Mas já hoje é possível ver datas em Portugal de Tours muito significativas, desde Opeth, a Katatonia (acho que esta tour próxima, infelizmente, não passa por cá), Arch Enemy, Amorphis, e outras experiências como bandas maiores como Machine Head ou mais específicas como foi o caso de Baroness no milhões ou Valient thorr. Ser promotor de espectáculos é das profissões mais arriscadas hoje em dia mas tem havido continuidade e expansão. Será que nas bandas se passa o mesmo? Se for esse o caso, para gostarem de mim, digo que sim. Mas o que nos a realidade? Eu bem sei das Tours que as bandas fazem lá fora, somos vizinhos de estúdio de muitas delas. Estive com os More Than A Thousand em Leipzig, depois de eles guiarem não sei quantas infernais horas para chegarem lá. Louvo todo o esforço pois sei, pessoalmente, o valor dele mas não tapo o sol com uma peneira. Essa frase que eu disse quanto muito é ingénua. Desde 1992 que somos as vedetas para toda a gente. Sei bem que me tornei um alvo fácil. São 20 anos com quase toda a gente a criticar uma carreira que, ao que eu saiba, não tem mesmo equivalente na nossa cena. Ou terá e sou eu (e grande parte do mundo) que não conhece? Acho que é tempo de Portugal deixar de ter segredos bem guardados e começar a competir a sério. Lá fora também há dificuldades e desvantagens e também há vantagens e facilidades. É a vida e só a massa humana que compõe uma banda pode fazer a diferença. Não me interessa se não sou abraçado, ou respeitado. É apenas uma imagem. O que interessa sim é que acho mesmo que poderiam aprender connosco. Para cada dez bandas que dizem mal de nós online, com muita propriedade e razão talvez, não existem muitas, de vez em quando nem uma, que nos contacte ou que tente entender como se fazem (algumas) coisas. É verdade que nunca levámos uma banda Portuguesa em tour. Sabem porquê? Porque os promotores as rejeitaram porque diziam que não venderiam bilhetes. Também já aconselhámos muita gente, por iniciativa nossa, mas as pessoas acabaram por fazer tudo à sua maneira, conseguindo menos resultados. Bem, podia estar aqui a vida toda, não adianta. Fica a frase para alimentar a polémica de quem não se conforma com o nosso, medo, sucesso (apesar de até este ter tanto que se lhe diga). Da minha parte continuo a trabalhar e a sonhar com os Moonspell, independentemente de na altura, as bandas de Metal grandes na altura em Portugal, nunca nos terem dado a mão. Sempre quisemos usar as nossas (mãos).
PdM - Será que esta é uma tour em que depois poderemos ter um novo Dvd dos Moonspell, uma vez que os cenários estão ao nível de bandas com maior capacidade financeira para isso?
F.R. - Não me parece. Nós temos algum material filmado e documentado mas seria preciso pôr 3 editoras em acordo para conseguirmos editar um registo desses para dar continuidade ao belo inicio (na minha opinião) que foi o Lusitanian Metal. Não é uma questão financeira. Não o foi no Lusitanian em que utilizámos, da melhor maneira, os recursos existentes e criámos um conceito de biografa visual que agradou a muita gente mesmo que muito do material fosse antigo, com qualidade duvidosa, e alguns outros registos que lá foram parar, porque os fomos guardando e insistindo na sua preservação, como estamos a fazer agora com tanta coisa. Seria fabuloso ter gravado o Campo Pequeno mas gastámos o dinheiro todo na produção do nosso concerto. Mais vale uma vez assim na memoria de quem viu, do que milhares de vezes num DVD sem espectacularidade alguma. A Napalm tinha acabado de lançar o nosso disco e não podia, justificadamente, meter-se logo noutra. É fácil falar, especialmente sem pensar em todo o contexto, por isso eu prefiro a cautela e o realismo. O Lusitanian saiu-me da pele, foram anos de trabalho e crença solitária que este DVD alguma vez veria a luz do dia. Mas ele está aí como prova de que, alguma vezes, vale a pena acreditar.
PdM - Em relação a concertos onde poderemos ver os Moonspell brevemente?
F.R. - Em Portugal, a 10 de Agosto, na Póvoa de Varzim, no estádio com os Xutos. Este Halloween será celebrado a Sul, em Portimão, com os Wako e os We are the Damned, o que foi algo extremamente solicitado por muita gente no Algarve, esperamos que seja um sucesso. Vamos também confirmar algumas datas mais a Norte e talvez uma, antes do final do ano, em Lisboa. Não sei se vai aparecer mais alguma coisa em Portugal, é possível que sim mas até nem estar a ser um mau ano para nós, depois do Campo Pequeno e de Fafe. Lá fora vamos agora acabar os festivais de Verão (Wacken, Sziget e Brutal Assault) e depois uma pequena tour “Egeia” por Chipre, Grécia, Turquia, Bulgária. Em Novembro juntamo-nos aos Pain, Swallow the Sun e Lake of Tears para uma tour na Europa e antes do fim do ano vamos ao Barge to Hell (cruzeiro de metal) e América Latina. A primeira tour de 2013 vai ser, quase de certeza, nos EUA/Canadá, já que o disco tem tido uma aceitação inicial muito boa nestes territórios, segundo me disse a Napalm.
PdM - Quais o objectivos que banda tem para realizar e que a banda ainda não conseguiu?
F.R. - Os objectivos são quase arquétipos nos Moonspell. Nunca nos desviámos muito de tentar ter credibilidade e importância artística na cena de Metal Europeia. Também sempre sonhámos em conviver em palco e ombrear com as bandas que, de alguma forma, nos inspiraram para fazer os Moonspell. Já aconteceu com algumas, irá acontecer com outras. Não se trata de realizar isto ou aquilo mas de trabalhar e perseverar para chegar mais perto dos objectivos iniciais que, com o tempo, se tornaram mais complexos de atingir. Não somos uma banda nova, não beneficiamos da simpatia pelos grupos ou estilos novos, até podemos sofrer de algum desgaste aos olhos de muitas pessoas, mas não iremos embora sem dar luta. A nossa nova arma chama-se Alpha Noir e juntamente com o Ómega (White) é um disco que sempre quisemos fazer e tocar ao vivo. Esse objectivo está garantido, para já.
PdM - Para terminar uma mensagem para quem vai ler esta entrevista no nosso espaço, e desde já obrigado por esta entrevista.
F.R. - Obrigado, mais uma vez, pela entrevista e pelo bom trabalho de divulgação que têm feito do Metal de e em Portugal. Aos nosso fãs um abraço deveras sentido por todos estes anos de partilha e incondicional apoio. Os Moonspell estão cá, temos um novo disco para todos descobrirmos e espero, ver-vos, numa destas noites ao vivo para celebrarmos juntos o feitiço que nos une.
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