Pedra de Metal

sábado, 18 de fevereiro de 2012

ENTREVISTA - OMITIR


Entregando a solidão do ser humano para as mãos do abismo, o compositor e multi-instrumentista, Joel Fausto espreita por cada janela das nossas mentes. Extrai delas o lado doentio que mora em nós. É assim que funciona o estranho e perturbador mundo de OMITIR. Nesta entrevista, ele conduz-nos numa pequena viagem à dimensão de “Cotard”, o mais recente fruto da sua árvore.

Pedra de Metal – Caminhas, com este projecto, sozinho num trilho à deriva pelo escuro infinito. Tens a solidão como veio locomotor?
Joel -
OMITIR tem uma característica solitária, não significa propriamente uma solidão pessoal ou algo do género. Estou neste projecto sozinho porque simplesmente assim o foi e se prolongou. Considero-o apenas uma narrativa que aborda bastante o íntimo obscuro, os “buracos” que habitam em cada pessoa, mesmo até para aquelas que se considerem “iluminadas”. Existem sempre passagens “sombrias” ou “doentias” no íntimo de cada um, nem que sejam por meros milésimos de segundo. OMITIR relata precisamente isso, essas passagens doentes e escuras.

P.M. – Para além de vertente filosófica, o niilismo tem sido explorado como arte por várias bandas de black metal. Também é uma visão que te atrai?
Joel -
Sim, claro que sim. É uma vertente bastante importante de se reflectir, mas não tendo a extrair de uma forma tão difusa como muita gente faz.

P.M. – Os limites da mente humana são, no fundo, o teu principal alvo?
Joel -
Sim, num aspecto interpretativo, posso dizer que sim. Os “limites” tanto emocionais como cognitivos podem levar a desesperos, alucinações ou a um enlouquecimento que só por si pode criar um mundo ou um ambiente aparte, estranho, desconhecido, que leva a um certo sofrimento e à perda do sentido linear da vida. Mas também pergunto, serão limites? Por vezes nem sei…

P.M. – “Cotard” é mais um álbum de black metal português onde existe referência a um grande realizador de cinema. No tema “Dor Submersa” deparamo-nos com um pedaço retirado do filme “Eraserhead” de David Lynch. Foi a primeira vez que o fizeste?
Joel -
Foi a primeira vez que fiz. Achei relevante colocar determinados excertos desse filme devido à sua história em relação ao tema deste álbum. Fez-me sentido na altura em que o escrevi (que já foi há uns anos para trás) e, talvez, pela sua influência que teve.

P.M. – Considero algumas semelhanças estéticas, entre o vídeo de promoção ao álbum e o grafismo da capa, com as sequelas dos jogos do Silent Hill. É uma dimensão paralela à de OMITIR?
Joel -
Não sei, é uma interpretação que fazes. Aceito-a com curiosidade, mesmo com pouco conhecimento dessas sequelas de jogos. Muita gente pode fazer associações seja ao que for tendo elas sentido ou não. As interpretações são assim mesmo.

P.M. – Uma coisa que me surpreende bastante neste projecto é a ligação que estabeleces com o jazz, torna-se mais fácil criar ambiências mais fantasmagóricas com ele presente ou serve para dar um toque diferente às melodias?
Joel -
Comecei a fazer essa ligação nos EP’s anteriores, mas em “Cotard” teve mais consistência a presença do Jazz, e muito provavelmente esta ligação mais consistente ficará daqui para a frente, sendo o Jazz uma “área” em que aposto bastante a nível pessoal e musical. Acho que este género traz bastante desses tipos de ambiências, dependendo da forma que é tocado e apresentado e, porém, fazem também com que as melodias se tornem diferentes, mais ecléticas, adoçam o experimental e o improviso.

P.M. – As editoras Amor Fati Productions (alemã) e The Path Less Traveled Records (norte americana), tendo em conta que “Cotard” é um álbum cantado em português, nunca meteram em causa a questão das barreiras linguísticas?
Joel -
Não. Obviamente que tive que conversar sobre o conceito do trabalho, o que as letras transmitiam e o seu objectivo através do som. Aceitaram perfeitamente, mesmo sendo em português. Conseguiram sentir o pretendido do álbum. Como diz Sean Crook (editor da The Path Less Traveled Records) “This is some fucked up shit!” eheheh

P.M. – Com estas duas editoras, estás a conseguir ver, na prática, bons resultados? Joel - Sim, acho que estão a dar resultados que não esperava. Embora não esteja sempre dentro das distribuições/criticas/promoções que fazem (eu próprio tento por vezes fazer algo para isso, mas não sou lá muito bom em relações públicas), sei que tem tido andamento, boas críticas e uma boa aceitação. O que me acaba por surpreender, sendo este álbum bastante experimental.

P.M. – Se tivesses a oportunidade de escolher um compositor mundialmente conceituado, para trabalhar contigo no próximo álbum, quem escolherias?
Joel - Por mais estranho que possa parecer, o próprio Tom Waits.

P.M. – Para terminar, queria que deixasses uma mensagem para os leitores da Pedra de Metal.
Joel -
Antes de mais, obrigado. Desejo-vos a continuação de um excelente trabalho que têm vindo a fazer, merecem isso. Aos leitores, para além de darem sempre apoio à Pedra de Metal, deixo à liberdade de cada um em se aventurar de ouvir “Cotard”. Não considerem isto um aconselhar ou desaconselhar. A vida é vossa, os gostos são diversos.

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